“SEU” ARAÚJO FARIA HOJE 98 ANOS...
Meu pai faria hoje 98 anos! Ele nasceu em 1919 no alto Sertão da Paraíba em um dos lugares mais áridos da terra. Partiu aos 74 anos, para o padrão de hoje ainda considerado jovem. As inúmeras enfermidades provocadas pelo peso de uma culpa quase irremediável motivaram a partida. Essa culpa, por uma mágoa profunda causada à minha mãe, foi uma companheira cruel por toda a vida e o fez murchar. Talvez pela rudeza de uma criação sertaneja, e acostumado aos rigores da aridez, nunca aprendeu a pedir perdão ou sequer desculpas com palavras. Contudo, mesmo sem usar as palavras, ele se desdobrava em atos concretos de amor na forma de provisão, zelo e abnegação pela família. Todavia, descobrimos que para os maus entendedores nem todas as palavras do mundo, nem todos os atos de amor são suficientes para perceber uma alma arrependida! E foi assim com ele: Partiu sem voz e sem vez! Quanta dor teria sido evitada para ambos!
Lembro-me dos finais de ano, quando ele virava noites fazendo as declarações de imposto de renda para inúmeras pessoas, mesmo tendo que levantar cedo na manhã seguinte para o seu trabalho oficial de contador. Esse trabalho que lhe roubava horas preciosas de descanso e gerava uma fonte de renda extra. Essas coisas que cheiravam a fragilidades não eram com ele, contudo, não queria que os filhos passassem pelo que ele passara na infância. Ele chegou a exteriorizar isso muitas vezes, especialmente sob o efeito revelador do vinho degustado aos domingos no almoço em família. Aprendi com ele a não fazer dívidas e a não comprar o que não preciso e nunca fazer empréstimo a não ser por uma situação extrema de saúde, questão de vida ou morte como diria ele. Sua vida foi sempre entremeada de tempos de “vacas gordas e magras”. Quando o desemprego batia à porta e foram muitas vezes, ele tinha sempre uma reserva. Ele não era o José do Egito, mas era José Araújo e sempre se preparava para os dias mais difíceis, de modo que nada nos faltasse. Um ser humano raro sob todos os aspectos. Com erros e acertos, claro! Tudo que veio dele nos serviu de lição. Pelo menos, para os que receberam e aproveitaram seus ensinamentos.
Jamais deixamos de ter os nossos presentes nos finais de ano com muita consciência de que aquelas dádivas não eram trazidas pelo papai Noel, mas pelo sacrifício do pai terreno, sempre diligente no seu cuidado para conosco. Se não desse para comprar nas grandes lojas, os nossos presentes eram comprados nos camelôs da cidade e geravam a mesma alegria em nossos corações. De baixa estatura, pés e mãos pequenos, passos ligeiros, ações diligentes. Sempre cheio de ideias e invenções. Rei das gambiarras, sempre dava um jeito em tudo que estivesse quebrado. Um grande contador de histórias! Puxei a ele, com muita honra! Filho mais velho de uma família sertaneja, apressou-se em vir para cidade grande estudar para dar uma vida melhor aos pais. Missão cumprida!
No apagar das luzes de sua vida terrena perdera a visão física e ganhou a visão espiritual num encontro memorável com o Cristo Vivo. Morreu em paz! A culpa se foi! Dívida paga! O peso lhe foi removido e a graça do eterno o inundou! Papai hoje goza de altos privilégios na presença do eterno que o acolheu e recompensou! Hoje ficou uma saudade imensa em meu coração e a certeza que breve nos veremos. Hoje, um dia de saudade indizível e também de manifestar a gratidão imensa pelo privilégio de tê-lo como pai terreno! Uma grande escola viva! Nadia Malta em 31.08.17.
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