terça-feira, 12 de maio de 2020

Meditação//Nadia Malta/É PRECISO DAR VOZ À NOSSA ANCESTRALIDADE!


É PRECISO DAR VOZ À NOSSA ANCESTRALIDADE!

Nesses dias de recolhimento obrigatório tem me vindo à mente as vozes das avós, bisavós e de toda uma ancestralidade de mulheres fortes, guerreiras, desbravadoras que viveram em tempos idos, dias de profunda agonia ante a maneira vil como eram tratadas em um mundo de supremacia masculina. O pior é que tudo parecia tão encaixado, que até as injustiças pareciam justas. Afinal, eram apenas mulheres! Quem se importava? Parece que tudo era do jeito que tinha que ser. Será mesmo? Lembro-me da minha avó paterna. Sertaneja, extremamente batalhadora. Mulher, que apesar de analfabeta se fazia ouvir em um tempo em que as mulheres não tinham voz nem vez. Diante das agruras da seca que castigava aquelas paragens dos cafundós da Paraíba, ela bradava: “Não há nada pior que parir na seca”! Ela era revoltada com casamento e dizia: “É muito sofrimento e só a mulher é quem sofre”! A minha avó materna não ficava atrás. Foram dezesseis filhos nascidos de tempo como se costumava dizer e quatorze criados no meio de muita dificuldade. Dor, Sofrimento, Amargura. Era o mote de ambas!
                                                                             
    
Filhos naqueles dias eram feitos aos borbotões sem que elas tivessem direito a recusa! Muitas vezes os “resguardos” nem se completavam. Eram quebrados e as mulheres logo já estavam grávidas de novo.  Emendava-se uma gravidez na outra. Elas não podiam dizer: Não! Maridos que chegavam dos roçados, como brutos sem razão e nunca se davam por satisfeitos. A sensibilidade era zero, o que valia era o instinto! Essas mulheres tinham que “servi-los”! E haja geração e mais geração de filhos da necessidade ou herdeiros das agonias. Seca, chão esturricado pela estiagem, gado miúdo que só tinha pele e osso, água escassa ou nenhuma. Muitas vezes o que se tinha pra comer era um punhado de farinha seca para dividir pra muitos. Minha avó aprendeu a fazer milagres dando de comer a todos ficando ela por último. Quantos anjos enterrados, meu Deus! Não sobreviveram aos peitos secos de suas mães e também dos animais. Já nasciam fadados a morrerem prematuramente. Esses eram mais felizes, pois se livraram das agruras da vida! Quase posso ouvir a voz de lamento da minha avó, nascida Maria de Deus, como tantas outras “Marias” naqueles rincões. Todas com a mesma sorte ou falta dela. No seu dizer experiencial ela costumava vaticinar: “Parir é o derradeiro ramo de vida”! E ainda: “Não aguento mais ver filho morrer”! As dores da alma podiam ser vistas no olhar da minha avó e de outras tantas “Marias”. Hoje cabe a nós filhas, netas, bisnetas, tetranetas dar voz à nossa ancestralidade de mulheres sofridas e quase invisíveis. Os ecos das vozes daquelas mulheres valorosas clamam para serem ouvidos e cabe a nos dar voz a todas elas. Que suas vozes reverberem!

Não, não falo de um feminismo que tem feito as mulheres irem para os extremos dessa cadeia de desmandos e desigualdades. Ninguém é superior a ninguém! Não há supremacia entre seres humanos criados à imagem e semelhança de Deus! Todo extremo é prejudicial. Falo da urgência da valorização, da igualdade de direitos e de oportunidades, de uma humanização das relações, de vida digna, de oportunidades igualitárias de trabalho. Somos todos humanos ou o quê? Quanto feminicídio! Quanta agressão! Quanta violência! Precisamos nos firmar, sobretudo, pela inteligência e pela coerência. Homens e mulheres foram criados para andar lado a lado. Ninguém é dono de ninguém, não nesta terra! Não se pode tratar seres humanos como se fossem coisas! Hora de nos levantar resgatando talentos adormecidos dando voz e vez à toda nossa ancestralidade que anseia por ser ouvida! Nadia Malta

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